sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Sobre a construção do "eu" na internet

Carol Pontes


Esse foi o assunto tratado na minha dissertação de Mestrado, intitulada:

Self Digital: explorações acerca da construção do "eu" na internet. Defendida no Programa de Pós-Graduação em Psicologia Cognitiva em 2008.

Ao contrário do que freqüentemente se pensa a respeito, quando estamos no ambiente virtual, não nos tornamos completamente diferentes daquele que somos no mundo físico, mesmo quando criamos um perfil "fake" ou um avatar no Second Life.

Se nós fóssemos outros completamente diferentes daqueles que somos nos ambientes presenciais, teríamos uma dupla personalidade, uma virtual e uma presencial, atuando separadamente.

Considerar a dicotomia corpo/mente no ambiente virtual é problemático pois, neste caso, o ser é tomado como um ente desprovido de corpo que fica o tempo inteiro racionalizando no ambiente.

Buscando uma superação para esse tipo de dicotomia, propomos que o corpo é um constituinte indispensável para que possamos conceber o sujeito no ambiente virtual.

Adotando o corpo como referencial, anunciamos nossa 'presença' online, mediante registro do nosso 'nome' de usuário e senha. Desse modo, 'entramos', transitamos e 'saímos' do ambiente virtual, todas as vezes que nos conectamos em rede.

Nos conectando em rede, estabelecemos elos discursivos com os demais usuários. Esses elos aproximam as pessoas, a partir de afinidades, gostos e interesses, daquilo que elas conhecem do mundo físico, de modo que os sentidos de estar comunicativamente mais perto daquilo que está fisicamente longe ganhem destaque e revelem-se como uma mola propulsora às ações comunicativas nos ambientes virtuais.

Ou seja, nós não nos conectamos com outras pessoas via internet apenas porque estamos fisicamente distantes delas mas, sobretudo, porque buscamos uma proximidade 'comunicativa' com essas pessoas.

Portanto, muito antes de se reunirem e dialogarem no Orkut - ou no Second Life -, por exemplo, esses usuários se reuniram e se reportaram uns aos outros em contextos diversos, tanto presenciais quanto virtuais: participando de atividades de trabalho, educacionais e de lazer, escrevendo um diário íntimo, lendo um livro, usando sites de busca, participando de fóruns e listas de discussão online, etc.

Nesses termos, as pessoas que participam do Orkut, por exemplo, são atores que contracenam tanto no nosso mundo interno e externo quanto presencial e virtual.

Essas pessoas são os protagonistas da historinhas que contamos sobre nós mesmos e é para eles que endereçamos nossas mensagens, tanto em cenários presenciais quanto virtuais.

Mas tem um detalhe: mesmo na nossa imaginação, essas pessoas apresentam alguma configuração corpórea. Além disso, vez por outra, conferimos vozes a essas pessoas e, conseqüentemente, algum nível de consciência, de modo que essas pessoas, de atores, passem a co-autores das nossas histórias.

Ou seja, essas pessoas, mesmo na nossa imaginação, passam a colaborar na composição da nossa história de vida, quer seja ela oralmente narrada quando estamos face-a-face com alguém, quer seja ela registrada nos campos do perfil de Orkut.

Portanto, tal como um camaleão que muda a cor da pele a fim de se adaptar às mudanças no contexto, os usuários da internet freqüentemente recorrem aos personagens que co-habitam o seu mundo interno e externo para compor seus perfis de Orkut ou mesmo um avatar no Second Life.

Se confundindo com esses personagens, o usuário veste uma máscara no ambiente virtual. Contudo, enquanto preenche os campos do Orkut ou modela o avatar com algumas características, o usuário deixa sua máscara cair e se revela, se contrastando em relação a todos aqueles que considera seus semelhantes.

Assim, enquanto transita no ambiente virtual, o usuário-autor organiza e orienta suas ações em função de um corpo que se movimenta. Ao fazê-lo o autor passa a afetar os demais com suas ações, também sendo afetado por esses outros quando eles publicam seus comentários.

Em outras palavras, "adotando o corpo como referencial, antecipamos as respostas da audiência para quem endereçamos nosso discurso, nos posicionando frente ao mundo. Dessa forma, sentimos que temos um ponto de vista e que este nos resgata da possibilidade de desintegração face às transformações que experimentamos ao longo do tempo, pois assumindo nossos posicionamentos asseguramos nossa própria localização no tempo e no espaço". (DE FRANÇA, 2008)

Desse modo, versões dos diálogos que estabelecemos com os demais podem se estender para os ambientes virtuais e retornar para cenários presenciais, caracterizando um processo dialógico ininterrupto.

Em síntese, "enunciar aspectos de si em uma rede de relacionamentos online, mostra nuances das formações sócio-histórico-culturais observadas em contextos offline, o que nos permite conceber as ações no ambiente virtual como uma extensão e continuidade das ações freqüentemente desempenhadas nas situações presenciais cotidianas" (DE FRANÇA, 2008).


Referência Bibliográfica:

DE FRANÇA, A. C. P. (2008). Self Digital: explorações acerca da construção do "eu" na internet. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de Pernambuco. Programa de Pós-Graduação em Psicologia Cognitiva.

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